quinta-feira, 3 de maio de 2012

Contemporâneo

Há um pouco mais de 3 anos, eu comecei com esse blog que, entre outras coisas, tinha como missão relembrar histórias, revisitar o passado e tirar a poeira da memória. De lá pra cá, sinto que objetivo vem sendo cumprido e posso perceber minha nostalgia sendo reconhecida e refletida nos comentários dos leitores de forma bastante acolhedora e amigável. Quando alguém fala em Nostalgia, e principalmente em Inútil Nostalgia, muitas vezes a associação feita vem diretamente ao meu encontro.

Pois bem, o que eu queria dizer hoje para você é que eu sou uma farsa.

Não consigo assistir a filmes em preto e branco. Não tenho vontade de escutar os vinis antigos do meu avô. Não partilho do ideal que diz que “tudo o que é antigo é que é bom” e dificilmente acho mesmo os clássicos (inclusive os mais recentes) essa genialidade toda.

Não que haja necessariamente algo de errado com eles. Mas geralmente parece que... falta alguma coisa. O ritmo era diferente. Mais lento, mais simples, sem tantas reviravoltas ou inventividades. (E no meu mundo, as coisas acontecem rápido, muito rápido.) De alguma forma, sinto que eles não dizem respeito a mim. Não me pertencem.

Falta-me o contexto da época em que foram lançados para entender a razão de tanto frenesi. Falta-me a cabeça de outros tempos para não ficar esperando as explosões ou músicas na trilha sonora. Falta um empurrãozinho da mídia para transformar aquilo que é antigo em contemporâneo. Porque o texto mesmo (e por texto eu não me refiro só a palavras, mas a tudo que pode ser interpretado) não é nada sem o contexto que lhe rodeie.

O processo de identificação funciona na medida em que é possível enxergar o próprio reflexo em outra “superfície”. Mas como conseguir me identificar se o espelho parece já tão embaçado? Querendo ou não, somos todos produtos do nosso tempo. Assim como o tempo não deixa de ser produto de nossos hábitos.

Não sou apaixonada pelo passado, nem o acho nada glamouroso, como o Gil de Meia Noite em Paris.

Tenho algum encanto pela década de 80, talvez o berço da cultura pop como conhecemos hoje (com direito a muita coisa trash inclusive, porém, aparentemente, mais divertido, mais homogêneo e sem tantas dissidências ou rótulos), mas não sinto vontade nenhuma de viver naquele tempo. Houve uma época em que até passava pela minha cabeça essa história de “ter nascido tarde demais”, mas só de pensar que teria de viver em um tempo em quase ninguém tinha telefone, ninguém sabia o que era internet e todo mundo usava ombreiras, eu já descartava logo a ideia. Sou fruto da década de 90, habitante dos anos 2000 e tenho muito orgulho disso.

Para quem não assistiu ao filme de Woody Allen, Gil (Owen Wilson encarnando praticamente um alter-ego de Allen - repare como a cadência de sua fala é idêntica a do diretor, quando este estava ante as câmeras) é um roteirista de sucesso e aspirante a escritor apaixonado por Paris. Não essa Paris do século XXI, mas, principalmente, a Paris dos anos 20. Uma nostalgia cega, uma vez que ele nunca sequer vivenciou aquele tempo. E eis que durante a viagem à cidade-luz com sua noiva, ele pega um carro, à meia-noite, e vai parar na Paris de seus sonhos. Lá ele passa a conviver diariamente com todos seus ídolos da arte, música e literatura.

O filme é uma delícia. Engraçado e fantasioso, a película usa a cidade mais romântica do mundo como cenário para discutir a visão romântica que temos do passado (mais que perfeito). Ele ainda dá margem a muitos outros debates, mas aquele em que se aprofunda mesmo é esse sobre o tempo, a nostalgia, o fascínio que se tem pelo pretérito (na verdade imperfeito) em detrimento do presente. (Nota: A trilha sonora já nos créditos de apresentação é apaixonante)

(Lembrei-me agora da explicação das diferenças entres os três tipos de pretérito do indicativo feita por um professor do ginásio.

Para ele, o “pretérito imperfeito” era aquele que, no momento da fala, provoca a lembrança da ação acontecendo em tempo real na memória do falante. O “perfeito” evoca da memória somente o momento imediato após o fim da ação, quando esta já estava encerrada. E o “mais que perfeito” é aquele em que, no momento da fala, já não se lembra mais de nada, de tão remoto que é esse passado.

Eu não sei de onde ele tirou isso, já que nunca vi em nenhum livro de português. De um certo modo até faz algum sentido, mas, agora, ao escrever esse texto, tenho de discordar. 

Segundo a visão gramatical desse meu professor que a gente chamava escondido de Superman por causa do ar certinho e do cabelo que só faltava aquela vírgula na testa para ficar igual ao Super mesmo, o pretérito preferido do nostálgico seria o “imperfeito”, uma vez que traz de volta a lembrança viva de outros tempos dentro da memória (como bem aconteceu agora quando fui descrever o antigo mestre). Mas todo nostálgico que se preze acha que o passado era “perfeito”! Mais do que isso! Para um nostálgico como o Gil, o passado de que se lembra é “mais que perfeito”!).

Mas, como ia dizendo, eu sou muito egoísta e o passado de que gosto tem de me pertencer de alguma forma. Deve ser contemporâneo a mim, mesmo que não esteja em concordância com tempo presente. Tem que ser velho com cara de novo. Ou de alguma forma, novo com pinta de velho (tipo esse último Superman que ninguém gostou*). Caso contrário, tenho a sensação de estar me apropriando de algo que não é meu. E sempre me disseram quando criança que roubar era errado. O passado de que gosto é aquele em que consigo me ver inserida de alguma forma. Porque esse sim, eu posso chamar de meu.

Talvez essa seja a razão pela qual eu goste tanto de lembrar histórias recentes do meu próprio passado. Para manter suas lembranças vivas, contemporâneas, dentro do presente. Como forma de não deixá-las morrer, como outras morreram e eu, egoísta, não dou valor. Sei que daqui a um tempo o meu passado será assim. Embaçado e esquisito para aqueles que nos sucederem. De certa forma já o é, se você for pensar.

Ao mesmo tempo, sei, assim como o Gil do Meia Noite em Paris percebe em determinada passagem do filme (será que falei demais?), que o presente é tudo o que temos. Viver de nostalgia nada mais é do que viver em negação do presente. Esse presente que um dia será passado e, se vivido dessa forma, não terá nada para ser lembrado – o que vai de encontro a todo o princípio da nostalgia!

Logo, por mais paradoxal que seja, para que a nostalgia seja alimentada, é necessário que se viva o HOJE, AGORA, JÁ! Porque só assim é que se pode ter algo verdadeiramente seu para se lembrar.

E agora, ao final desse texto, percebo que, tudo bem, talvez eu não seja tão farsante assim.

E eu particularmente adorei. E acho uma sacanagem ninguém dar papéis decentes para esse ator que, tá na cara (não só na cara), é muito talentoso.
** Lembrei agora de um outro professor, dessa vez do Ensino Médio, que cismou que o Marlon Brando era vivo quando esse filme saiu, só porque sua voz aparece em determinado momento. Só que a voz foi inserida digitalmente, uma vez que o Marlon Brando já tinha morrido há uns 3 anos! Isso é que é negação!

2 comentários:

  1. No geral, também não sou fã de filmes antigos. Às vezes, eu penso que gostaria de ter vivido nos anos 50/60. Amo aquelas roupas, o rock'n roll, os bad-boys... Mas viver sem as facilidades que temos hoje não seria lá muito legal, então fico apenas com os livros históricos.

    Concordo com a sua conclusão. Acho importante manter as lembranças, mas também criar novas lembranças. Porque o passado não vai voltar, né? Uma hora a gente se cansa de só lembrar e precisa ter algo pra viver também.

    Beijos

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  2. Eu gosto muito de filmes e livros antigos, é muito divertido ver como funcionava a sociedade de épocas passadas, seus costumes e pensamentos. Mas eu também não tenho nenhuma vontade tão grande assim de viver em algum tempo desses. Estou bem situada no século XXI, apesar de ter tantas preocupações que antigamente nem eram pensadas, como a extinção das florestas e da biodiversidade. Só que isso não quer dizer que antes não havia apreensões graves também.

    Mas nem por isso eu deixo de desejar uma outra vida, mas uma por aqui mesmo. Tenho nostalgia de algo que eu nunca vivi mas gostaria de estar passando agora. Será que dá para entender? :/ Ter sonhos impossíveis é natural, mas não se deve deixar que eles tomem conta do seu presente original. Ou, então, como você disse, nada teremos para nos lembrar, nada para realmente "nostalgiar"!

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