segunda-feira, 13 de maio de 2013

Juventude em Preto e Branco


Sempre que tem feriado e todo mundo tá de folga, o destino de viagem é certo: a casa do vovô. É um lugar mais ou menos no meio do nada, com sabor de chocolate e cheiro de terra molhada, lá pra dentro de Juiz de Fora. Como habitante da cidade, não suportaria viver num lugar assim. Como já comentei em outra ocasião, gosto de estar no meio de onde as coisas acontecem. Mas pra passar só uns dias, a casa do vovô é ótima e sempre nos apresenta situações inusitadas. (Na última vez que fomos lá, no Carnaval, avistamos pela janela um ouriço se equilibrando no fio de luz e um par de filhotes de beija-flor escondidos embaixo da telha.)

A casa do vovô, além do cheiro de terra molhada, também tem um gosto muito peculiar de nostalgia. Parece um lugar meio parado no tempo, em que até tem TV a cabo e computador, mas o PC de lá é de 1999 e já nem entra na internet direito. Enquanto você vai andando pelos cômodos se depara com vitrolas, outras televisões de modelos da época em que não tinha controle remoto, os mesmo móveis de quando a gente era pequena, e retratos, muitos retratos de nós mesmos, tirados anos antes, espalhados por toda a casa.

Além da casa, ir à casa do vovô tem um significado muito especial por motivos de visitá-lo. E existe uma coisa engraçada de conversar com meu avô. E não é somente o fato de ele ser meio surdo e às vezes a gente ter que gritar para que nos escute. (Aliás, queria desenvolver sua habilidade, porque às vezes ele fica escutando tudo e fingindo que não está ouvindo, só pra não se dar ao trabalho de responder.) Mas além disso, é engraçado conversar com meu avô porque o conflito entre gerações fica muito evidente e ele tem um monte de histórias para contar.

É legal escutá-lo comentar sobre o governo do Getúlio ou da campanha do Jânio Quadros, já que ele viveu naquele tempo, e comparar com o que nos foi ensinado pelos livros e professores de História na época do colégio. È inspirador ouvi-lo contar com orgulho algumas de suas histórias de como ele chegou aqui ao Brasil e seus ensinamentos sobre a arte de como encarar um Japeri lotado.

Mas é ainda mais engraçado quando ele começa a contar histórias de quando era criança e fugia da missa, aparecendo só no final novamente para a avó dele achar que ele tinha ido, ou da vez em que chutou a bola para longe e saiu correndo porque o guarda queria roubá-la, ou vê-lo relembrar das aventuras do seu grupo de amigos (eles se auto-intitulavam Os Vingadores, muito antes dos quadrinhos da Marvel), do qual, pelas nossas contas, ele é o único sobrevivente.

Gente, esse velhinho de Up é muito parecido com o meu avô. Fisicamente, até.

Da última vez em que estivemos lá, além de conversar, jogar Perfil e fazer campeonato de sueca (tem que ficar de olho nele nesse jogo, porque ele rouba descaradamente!), ele pegou para uma caixa de madeira cheia de fotos antigas. Fotos em preto e branco, quase sépia, daquelas bem velhinhas mesmo. 

Havia fotos de nossos bisavós portugueses, primos e tios da terrinha, fotos dele mesmo quando criança e um pouco mais velho. Muitas das fotos o mostravam com aquele ar de pompa e circunstância que as fotografias tinham antigamente já que foto era coisa séria e rara e as pessoas tinham que se arrumar todas e faziam uma pose para que o fotógrafo viesse e capturasse os seu melhor ângulo.

Outras chamaram minha atenção pela anotações atrás com a data e o lugar de onde elas foram tiradas. Essas últimas, em sua maioria, eram de uma época em que, se ele não fosse adolescente, devia ter mais ou menos a minha idade.

E é curioso ver retratos de seus avós quando crianças, afinal, antes mesmo de nos entendermos por gente, sabemos que avós são criaturas que nasceram de cabelos grisalhos. Mais curioso ainda foi ver registros de um avô jovem, alegre, rodeado de amigos, no fim de um dia feliz, com um sorriso maroto nos lábios de quem tinha aprontado todas.

Cada uma daquelas fotos carregava consigo histórias de uma época bem remota, ainda em preto e branco. Mas abrir a caixa de retratos foi como trazer cor e vida a todas essas histórias novamente.

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Fiquei chocada quando ele contou que, no tempo dele, existia uma parte do cinema chamada “galinheiro”, onde o ingresso era mais barato e lá eles atiravam pipoca nas pessoas que ficavam em baixo, gritavam coisas para a tela, brigavam, etc. E ele contou isso com saudosismo do tipo: “Vocês, jovens de hoje em dia, não fazem mais essas coisas”.

(Coitado, ele não sabe o que diz. A única diferença é que hoje a gente tem celulares. De resto, está a mesma coisa. Vou trazer ele aqui no Nilópolis Square pra assistir o próximo filme de super-heróis às 15h de uma quarta-feira pra ele ver!

Ah, sim! Outra lição, importante: vocês que ficam tirando onda com aqueles discursos de “Esses jovens de hoje em dia são terríveis! Antigamente não era assim!”, não são os jovens de hoje em dia que são terríveis! Os jovens sempre foram idiotas. Só que eles agora têm celular.)

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E então, eu percebi que, por mais diferentes que nós fôssemos, lá no fundo, éramos muito mais parecidos do que se pode imaginar. 

Tem um episódio de Friends, logo na primeira temporada, em que, no final, os amigos ficam vendo retratos de uma avó da Mônica quando novinha. E então encontram uma foto dela com sua turma na época e ficam ali contemplando aquela fotografia durante um bom tempo: “É, parece uma bela turma essa dela”, com a câmera fazendo um enquadramento incrível para que nós, espectadores, percebêssemos como aquela frase também podia se aplicar aos Friends que já conhecemos.

Foi mais ou menos assim que eu me senti quando vi aquelas fotos do meu avô. Me vi ali com meus amigos, posando para uma foto depois de um dia inesquecível. Como no episódio de Friends.

Sim, as roupas e a coloração das fotos eram diferentes. E eles não postavam as fotos nas redes sociais. Mas no fundo, meu avô era igualzinho a mim, há 50 anos.

A irreverência, a vontade de ser feliz, as histórias que se você contar ninguém acredita... Estava tudo ali registrado. Numa caixa de madeira. Em fotografias em preto e branco.


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Só que aí não demorou muito para eu completar meu momento de epifania. Porque que se as fotos dele há 50 anos lembram muito as minhas atuais, não é preciso ser gênio para se ter uma ideia de como serão as nossas fotografias daqui a meio século.

E eu percebi algo algo curioso a respeito das fotografias. Se você parar para analisar, à medida em que as fotos vão ficando mais coloridas e mais nítidas, a vida vai ficando cada vez mais sem cor.

E é por isso mesmo que há algo de... mágico nelas. Porque as fotografias congelam o tempo. Capturam um instante que nunca mais vai voltar. Capturam sentimentos e pessoas e lugares e sensações que o tempo insiste em levar. Elas podem até não se mover como em Harry Potter, mas se uma coisa tem o poder de enganar o tempo, um pouco de magia ela deve ter.

3 comentários:

  1. Que post lindo, Lisa...

    Não tem como evitar um sentimento de nostalgia ao ver fotos antigas, mas quando são fotos de nossos pais/avós há uma coisa a mais. Uma curiosidade de saber quem foram eles na nossa idade, e quem são aquelas pessoas, quem eram os membros daquela turma. O que faziam, para onde saiam, com quem namoravam...

    Eu tenho muita curiosidade e saio perguntando tudo. São lembranças apenas, mas tem um valor inestimável.

    E, sim, as mais antigas parecem mais coloridas do que as que hoje são cheias de cores. É lindo, mas é triste.

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  2. Eu não tenho mais o meu avô; um se foi quando eu ainda não tinha idade o suficiente para conhecê-lo de fato, e o outro quando eu tinha 11 anos, e já se passaram 16 desde então. Esse post me trouxe a saudade dele, uma vontade de ouvir as histórias que ele nunca me contou. Saudade dos momentos que não passei com ele e de toda a minha vida que ele não presenciou.
    As fotos eternizam e me mostram momentos que, infelizmente, a memória já está quase deletando. Lembro de situações pontuais com meu avô; já não consigo me lembrar mais de como ele era, do jeito do andar, do som que emitia ao gargalhar. Infelizmente, lembro mais dos momentos finais, em que ele já não era ele, do que dos momentos de descontração que passamos juntos.
    Desculpe-me por despejar tudo isso aqui, mas seu post mexeu comigo. Sempre que penso no meu avô me vem essa saudade de tudo que não foi... E hoje, especialmente, existem outras dores, outras perdas. Aproveite muito seu avô! Achei tão linda a forma como você falou dele. É tão raro os netos gostarem de ouvir as histórias de quando os avós eram crianças; e eu queria tanto ter essa oportunidade. Queria ter vivido mais com o meu avô, mas já são mais anos sem ele do que com...
    Lindo o post, me emocionou.

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  3. ♪ Look at this photograph
    Everytime I do it makes me laugh ♪
    post irado,coisas nostálgicas sempre derretem corações,por mais que eu seja o cara mais bruto.Na minha carteira eu tenho uma foto do meu pai com os 20 e poucos anos,quando eu olho a foto eu encontro as semelhanças dos meus irmãos e o jeito selvagem de um adolescente rebelde,bem a única coisa ali igual a "minha pessoa"é esse lado rebelde,só que o meu pai é bem mais fotogênico.O único avô que eu tenho,é um que teve 3 derrames,ele vive a dormir,não sei se o que ele diz é real ou se é fantasia,pobre homem...

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